Que políticas estão sendo pensadas para a Ciência brasileira?
Algo que me inquieta é que até agora nenhum dos três principais postulantes à Presidência da República fez qualquer pronunciamento ou divulgou em sua proposta de programa de governo, o que pretendem fazer para a Ciência brasileira ou mais especificamente para a Comunicação Científica brasileira. Normalmente, os últimos presidentes têm iludido a sociedade científica brasileira acenando com mais recursos mas, nada tem sido feito em prol da Ciência como um todo. A Ciência não carece apenas de recursos financeiros mas, também de políticas. Talvez tenha feito uma afirmação errônea ao dizer que os ex-presidentes tenham iludido a sociedade científica brasileira. Neste contexto, o termo sociedade científica brasileira refere-se ao conjunto de toda a comunidade científica brasileira e não à uma sociedade científica em específico, visto que existem diversas sociedades científica, em diversas áreas do conhecimento.
Evidentemente que se trata de um tema específico e de alta complexidade, fato que nos leva a perdoá-los, pois, certamente, se perguntados, diretamente, os atuais candidatos à presidência, não teriam uma resposta na ponta da língua.
Aliás, um dos candidatos, entretanto, certamente poderia ter algo a dizer, pois, ao longo de todo o governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores, nada fez em favor da Comunicação Científica ou mais especificamente para o Acesso Livre e jamais se prontificou a ouvir ou a desenvolver qualquer ação nessa área. Aliás, muito pelo contrário, promoveu o enfraquecimento de uma instituição que sempre lutou pela informação científica no País, o IBICT. Basta indagar o que faz o IBICT hoje? Inclusão Social? É esse o papel dessa instituição?
Por intermédio da Capes, esse governo que ora se conclui optou por criar e manter o Portal de Periódicos da Capes, beneficiando, obviamente, os editores científicos comerciais. À rigor, que benefícios esse Portal trouxe para a Ciência brasileira, dado que antes dele, as bibliotecas universitárias mantinham em seus acervos boa parte das revistas científicas necessárias ao desenvolvimento das pesquisas brasileiras.
Em nenhum momento, antes dos governos petistas as bibliotecas deixaram de fornecer informação aos pesquisadores de nossas universidades. Ou seja, a criação do portal não partiu de uma demanda das bibliotecas universitárias e as mesmas sequer foran consultadas. Ou seja não houve um trabalho de base com vistas à identificar a necessidade dos periódicos científicos mais procurados nas bibliotecas universitárias e tampouco pelos pesquisadores brasileiros. Esse Portal custa atualmente mais do cem milhõse de dólares anuais aos cofres do governo brasileiro. Foi contratado à revelia do IBICT que é, teóricamente, a instituição especializada em informação científica e que poderia fornecer maiores subsídios. Afinal para que serve uma instituição que tem em seu nome o temo: Informação em Ciência e Tecnologia?
Um outro fato importante a mencionar é sobre as consequências que o Portal de Periódicos da Capes provoucou: o desmonte do sistema chamado Catálogo Coletivo Nacional de Publicações Periódicas ou simplesmente CCN. Nessa troca quem foram os beneficiados: os pesquisadores brasileiros ou os editores científicos comerciais? Quem ganhou com o desmonte desse sistema, que foi construído ao longo de 50 anos? Quem saiu ganhando: a ciência brasileira ou os editores científicos comerciais? Isso talvez, somente o tempo dirá. E, como sempre, ninguém será responsabilizado por isto. Em países sérios, alguém é sempre responsabilizado por esse tipo de insanidade administrativa. Enquanto isso, em todo o mundo, as universidades e centros de pesquisas vêm adotando uma das estratégias definidas no início do ano de 2002, que é a via Verde do Acesso Livre. O Brasil optou por um caminho próprio, que foi a contratação e manutenção do Portal de Periódicos da Capes. Não defendo apenas as iniciativas de Acesso Livre mas, a de um sistema mixto que possa levar o País a desenvolver suas habilidades e competências e aproveitar aquilo que existe nas bibliotecas.
Esses fatos fazem parte de uma comprovação pessoal minha, jamais os dirigentes desse governo se prontificaram a adotar as idéias que venho divulgando ao longo dos últimos 12 anos. Assim como jamais fui recebido para ser ouvido com relação a essas idéias, jamais fui convidado e participar de alguma atividade relacionada à definição de uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia e, obviamente, jamais esse tema foi abordado na construção dessa política. Não que eu não tenha procurado os dirigentes executivos mas, porque eles não quiseram me receber, especialmente, a presidente Dilma, que jamais repondeu às minhas mensagens enviadas ao Fale com a Presidenta. Para não dizer literalmente que jamais me respondeu, recebí sim algumas mensagens reencaminhando a minha demanda ao diversos ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação, os quais jamais me procuraram. Então fico pensando: a quem a nossa presidenta respondeu? Quantas pessoas ou cidadãos brasileiros ela atendeu? Pelo menos eu, com certeza jamais fui atendido. Esse serviço, o Fale com a Presidenta não passa de uma ação de marketing para torná-la mais simpática ao público, nada mais do que isso.
Mas, um dia o Brasil será conduzido à adoção de medidas de Acesso Livre à informação científica e, talvez, quando isso acontecer, este País já terá gasto recursos que poderiam ter sido aplicados em outras áreas, especialmente nas áreas sociais que são as áreas mais carentes e prioritárias. E, talvez aí, os nossos pesquisadores possam ganhar espaço para dar maior visibilidade às suas pesquisas, que é o que o mundo inteiro está fazendo por meio de quase 2.729 repositórios digitais (vide o sítio http://www.opendoar.org.br/, dado verificado no dia 24/09/2014), por meio da criação de repositórios institucionais e centrais, ação que tem sido pouco efetiva em nosso país. Hoje, dia 24/09/2014, verifiquei que o Brasil conta com 84 repositórios digitais. É bem verdade que o País está classificado em 8. lugar, atrás de países como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha, o Japão, a Espanha, a França e a Polônia. Entretanto, deve-se ressaltar que o Brasil iniciou ações em prol do Acesso Livre desde 2007 quando assinou o Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica, que foi elaborado por este que vos escreve e pela profa. Sely Costa da UnB. e divulgado por meio de uma video-conferência.
O fato é que a questão do Acesso Livre não teve a evolução esperada, no Brasil, basta ver o conjunto de registros armazenados nesses repositórios, exceptuando-se alguns repositórios de universidades como a UFRGS, a UFSC e alguns poucos repositórios brasileiros, na sua grande maioria a quantidade de registros existentes nesses repositórios não superam a 100 registros, o que significa que os mesmos foram apenas criados mas, não foram efetivados de fato. São coisas que lamentamos, pois, são recursos jogados no lixo, por pura falta de gestão, tanto das instituições quanto daquela que promoveu a distribuição dos recursos, o IBICT.
No entanto, é importante frizar que o governo que vem administrando o País, nos últimos 12 anos, não é adepto das iniciativas indicadas pelo movimento do Acesso Livre e isto é um fato, basta verificar as diversas tentativas realizadas por este blogueiro, quando tentamos, sem sucesso, aprovar o PL 1120/2007 na Câmara dos Deputados e o PLS 387/2011 no Senado Federal, que está prestes a ser rejeitado conforme parecer existente, elaborado pelo senador Álvaro Dias mas, que no momento, curiosamente, não está mais disponível para download. Esse parecer estava disponível até o início do mês de setembro. Fato intrigante, pois, justo agora, em momento, pré-eleitoral, esse documento que seria usado para a formular a rejeição do PLS 387/2011 foi excluído do sítio do senado federal, que imagina-se ser uma ferramenta bem administrada. Mas, como todo serviço público no Brasil, nada funciona adequadamente. E, isto é o que desanima nesse processo de mudança, quando na realidade nada muda, tudo continua como sempre esteve!!!
Não é de interesse de qualquer governante brasileiro fazer com que o progresso científico seja uma política de estado. Provavelmente nem política de governo.
O que lhes interessa é mais dinheiro para a indústria, que no Brasil não tem qualquer ligação com inovação e/ou pesquisa e paga salários a pessoas mal instruídas. Adicione-se a isso a questão das empreiteiras.
Esperar uma política governamental/estatal para a ciência, no Brasil, é desconhecer nossos políticos e o que eles pensam do assunto.
Prezado André,
Obrigado pelas suas considerações.
Concordo em parte com elas. Não concordo apenas com o último parágrafo de sua mensagem. Em parte, vc está correto, não devemos esperar muito dos nossos governantes. Entretanto, são eles um dos mecanismos pelos quais se pode construir uma política para a Ciência e para a Tecnologia e Inovação, caso contrário viveremos sempre no imaginário, alguém tem que fazer alguma coisa. Portanto, continuarei lutando por esses ideais que venho lutando ao longo de minha vida.
Um abraço.
Helio Kuramoto
Prezado Hélio, não quis dizer que devemos deixar acontecer, mas apenas que não devemos deixar isso nas mãos deles. Por outro lado, como você menciona, eles são uma via. Um via com diversos buracos.
Prezado André,
Obrigado pelo envio de sua mensagem. Sim, concordo com vc, a via presidencial é apenas uma das vias, que muitas vezes não se consegue obter nenhum retorno, como no caso da Dilma. Mas, por outro lado, tentei outras vias como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal e em nenhuma das duas casas consegui obter sucesso, é evidente que cometi um grande erro nessas minhas investidas, fui sozinho à luta e, evidentemente que, se tivesse o apoio da sociedade científica teria tido uma outra resposta. No ano passado, estive na SBPC, qdo tentei obter apoio junto ao ministro da C, T & I e junto à presidente da SBPC mas, foi um tiro na água.
Enfim, é preciso que toda a comunidade científica esteja coesa nessa luta. A gente vai aprendendo com essas batalhas.
Um abraço.
Kura
Olá prof. Kuramoto, tudo bem?
Em uma lista que assino (a “ciencia-aberta”) circulou um e-mail relacionado a um documento que você estaria preparando, e que incluía como um de seus pontos a questão Portal Capes / CCN.
Será que você pode indicar algum texto que dê mais detalhes sobre essa questão? Concordo com os outros pontos do documento e gostaria de subscrevê-lo, mas sobre essa questão específica eu não conheço nada…
Abraço cordial.
Prezado Miguel,
Obrigado pelo envio de sua mensagem. Infelizmente, não tenho qualquer documento ou artigo que trate da questão mas, posso te explicar.
Desde os anos 50, o IBICT vem mantendo o Catálogo Coletivo Nacional de Publicações Periódicas, o CCN, que é um sistema que integra todas as coleções de periódicos científicos das bibliotecas universitárias. Bem, no início deste século, o IBICT e, creio também as bibliotcs universitárias foram surpreendidas pela ação da Capes, ao construir o Portal de Periódicos de Publicações Seriadas, o Portal da Capes, que veio a substituir as coleções mantidas pelas bibliotecas universitárias e, claro com grande vantagem, pois, ao mesmo tempo permitia que qualquer pesquisador lotado nas universidades federais pudessem ter acesso a essas publicações. Entretanto, a Capes ao tomar essa decisão, prejudicou as bibliotecas universitárias que vinham mantendo essas coleções com verba da Capes e, obviamente, a Capes deixou de dar esse suporte às bibliotecas universitárias. Algumas como as bibliotecas da USP, UNESP e Unicamp, conseguem manter as suas coleções porque são mantidas pelo governo do Estado de São Paulo mas, outras como as bibliotecas das unidades de pesquisa, tiveram que buscar recursos para continuar a manter as suas coleções. Enfim, houve uma desestabilização das coleções de periódicos das bibliotecas universitárias federais. Obviamente. nenhuma biblioteca reclamou pois, quem estava fazendo isso era a Capes. Não sei se expliquei de forma clara. Ou seja, o fato é que a Capes cubriu um santo para despir outro, as bibliotecas universitárias e seus usuários. Se vc quiser ter acesso a essas publicações científicas periódicas, vc poderá fazê-lo por meio do sítio do IBICT. um exemplo de coleção é a da revista ANS : Advances in nursing science cujo link é: http://ccn.ibict.br/visualizar.jsf
Nesse link vc encontrará todas as bibliotecas que têm essa revista e todos os fascículos em um linguagem própria. Pois bem, os usuários usualmente vaõ às bibliotecas universitárias consultar essas revisas, ou fisicamente, ou via o programa COMUT, que fornce cópias dos artigos publicados nessa revista.
O detalhe é que com o Portal da Capes, essa revista deixou de ser assinada assim como outras e, portanto, as bibliotecas universitárias não podem mais oferecer esse serviço. É bem verdade que o acesso direto via o Portal é mais rápido e direto e, não faria sentido manter essas coleções nas bibliotecas, evidentemente, enquanto existir o Portal de Periódicos da Capes. Aí uma longa discussão seria travada. Ou seja, é essa a problemática, como tudo no Brasil, as coisas são desativadas, de repente, substituídas por uma outra solução, aparentemente, melhor mas, talvez não tão sustentável. Espero que tenha conseguido explicar o tema que mencionei na questão que apresentei para os candidatos, aliás, nem sei se eles ou seus assessores seriam capaz de discutir. Mas, é um problema a ser discutido ou esquecido como o atual governo tem feito.
Bem, qualquer esclarecimento, vc pode me enviar mensagens pelo email: alokura2010@gmail.com.
Um abraço.
Helio Kuramoto
Obrigado pelo esclarecimento, prof.
A questão que você vê aí como mais problemática foi essa mudança (drástica) ter sido realizada sem muita discussão com a comunidade universitária? Ou os eventuais riscos de sustentabilidade (já que, com cópias físicas, mantêm-se o acesso mesmo quando não se puder mais pagar assinatura)? (Embora, quanto a esses riscos, acho que você mesmo sugere, se entendi bem, que há um “trade off” aí: acessar pelo Portal é mais conveniente sob certos aspectos.)
Prezado Miguel,
Obrigado pelo envio de sua mensagem e pela oportunidae que vc me oferece. A questão é problemática independente do ponto de vista que se utiliza. Tando o fato de o Portal da Capes não ter sido objeto de discussão prévia com os setores interessados (bibliotecas universitárias, pesquisadores e organizações envolvidas na questão da informação científica), quanto o fato de enfraquecer uma ação existente(o CCN e as coleções de publicações periódicas mantidas pelas bibliotecas universitárias). O fato é que o Portal foi constituído e disponibilizado à revelia de todas as instituições envolvidas. Foi um ato ditatorial!!! A questão é que tudo isso aconteceu e ninguém teve coragem de reclamar ou se pronunciar.
Nem as bibliotecas universitárias, estas até entendo porque, visto que, estão sob o domínio da Capes e, evidenmente, preferiram calar-se diante da ação vinda de um orgão superior. O que me preocupa em toda essa situação é que tomou-se um atitude sem qualquer estudo ou discussão. Não é assim que se governa ou administra uma área.
A Capes simplesmente desconheceu ou ignorou o que estavam acontecendo em todo o mundo, as estratégias da via verde e da via dourada. Evidentemente que essas iniciativas eram insuficiente naquele momento para atender o País, no que se refere ao acesso à informação científica mas eram ações que estavam em curso e não dependiam de grandes gastos de recursos financeiros. Eram, de outra forma, um novo modus operandi para a questão do acesso à informação científica e que agora começa-se a ver os seus frutos. Alguém pode dizer que fosse algo para o futuro, no que posso concordar. Entretanto, essas iniciativas propunham um novo modus operandi no acesso à informação científica. Entendo que, perdemos a oportunidade de participar dessa nova construção, que hoje conta com quase 3000 repositórios digitais de acesso livre, além de perder a oportunidade de oferecer ao mundo o acesso àquilo que é produzido pela Ciência brasileira. Veja o impacto do acesso livre no sítio <a href="http://repositories.webometrics.info/en/world" title="Web Ranking of Repositories") do mês de julho, o Brasil aparece representado por duas instituições, a USP e a UFRGS, sendo a USP pela sua biblioteca digital de teses e dissertações, e a UFRGS devido ao seu repositórios institucional, LUME. Já no , o Brasil aparece com 3 universidades entre as 200 primeiras universidades. Mostro esses dados apenas para ilustrar que há influência das iniciativas do OA na elaboração desses rankings.
Não sou contra o Portal da Periódicos da Capes mas, sou a favor de que se estimule tanto a existência do referido portal quanto da criação de repositóios digitais de acesso livre e das publicações periódicas de acesso livre, pois, essas duas iniciativas mencionadas além de proporcionar o acesso à informação científica, proporciona uma maior visibilidade daquilo que é produzido em nosso País, além de dar maior visibilidade aos nossos pesquisadores e às nossas universidades.
Um abraço.
Helio Kuramoto